Centro Cultural de Cascais
Curadoria: Frederico Vicente
CONTRAFORTE fecha um díptico de exposições que procuram subverter o convencional modo de “olhar pintura”. Se no primeiro ato - Forte (galeria A-Space, 2025) - Martinho Costa encena uma referência ao pavilhão manifesto de Gustave Courbet (Paris, 1855), justificando uma construção ancorada numa subtil diferença de cotas do espaço; Contraforte reforça o sentido portante que o artista experimenta na pintura: auto estruturada e quotidiana.
Três composições redesenham novos espaços nas salas, como se de um diedro se tratasse, com todo o glossário de conceitos da geometria descritiva: o ponto, a reta e plano. Duas paredes paralelas e outras duas que se cruzam, convidam o observador a abandonar a inércia do “olho-estático”, por uma “visão-pendular”, em constante movimento e sem coordenadas fixas. Um olhar desfocado das paredes, onde estão usualmente penduradas as telas, para focar as paredes construídas com as próprias telas.
As pinturas são células de um sistema mais complexo, justapostas e contíguas, formando murais de quatro metros de comprimento. Murais urbanos, porque tanto a montagem como os temas estão em perfeita analogia com o mundo lá fora. A montagem não obedece a um raciocínio rígido, antes disso, é um conjunto de mosaicos que se compõem organicamente, assentando narrativas. Poderia ser este o guião, ou poderia ser outro, caso a configuração fosse diferente, embora o olhar do artista seja sempre estável. Os temas são os de sempre, aquelas que Martinho Costa pinta com o mesmo entusiasmo juvenil e frenético. Cenários suburbanos entre o edificado mais denso e a natureza dispersa. A ligação à cidade faz-se sempre através de uma interface, uma gare e um comboio noturno. E nesse percurso, qualquer superfície pode receber uma pintura, neste caso são telas, mas poderiam ser paredes, tijolos ou pedras, porque as pinturas são como fotografias, disparos instantâneos e fugidios, congelando o tempo, um tempo, aquele tempo. Sabemos apenas que são pinturas, pelo cheiro a óleo pintado de fresco.
E, aparentemente, CONTRAFORTE não é uma exposição de pintura, embora não deixa de o ser. No limite, o que o artista procura é resgatar de outras artes visuais, como da escultura, do happening, ou até da arquitetura, o mesmo dinamismo, a mesma interação e a escala do observador participativo. Direciona o olhar para um caminho em torno da obra, onde o verso é tão relevante como a frente e a harmonia, tal como nos campos disciplinares da Estática ou na Trigonometria, surge na forma triangular.
CONTRAFORTE é um manifesto, onde há arquivo e uma proposta de “contra arquivo”. É um exercício de leitura da pintura (e das suas temáticas) virada do avesso, pousada no chão e em auto equilíbrio com as referências próprias do artista.
CONTRAFORTE marks the conclusion of a diptych of exhibitions that seek to subvert the conventional approach of "looking at painting." In the initial act - Forte (A-Space gallery, 2025) - Martinho Costa alluded to a reference to Gustave Courbet's pavilion manifesto (Paris, 1855), proposing a construction anchored in a subtle variation in spatial elevations. Contraforte amplifies the profound sense of the artist's experience in painting, characterized by self-structuring and the quotidian. The artist has meticulously crafted three compositions that reimagine the conventional spatial dimensions within the exhibition rooms, transforming them into a dihedral space characterized by the entire spectrum of descriptive geometric concepts, including points, lines, and surfaces. The juxtaposition of two parallel, and two intersecting walls compels the viewer to transcend the limitations of the "static eye" and embrace “a wide-open vision” without fixed coordinates. The viewer's gaze is thus deflected from the conventional display of canvases on walls to the walls themselves, which are constructed using canvases as their medium. The paintings become cells in a more intricate system, contiguous, forming murals that extend to four meters in length. These urban murals are indicative of a perfect analogy between the assembly and the painting’s themes with the world outside. The juxtaposition of these urban murals does not adhere to a rigid rationality; instead, they are a series of mosaics that organically compose narratives. The configuration of these mosaics establishes a narrative that remains consistent despite variations in their arrangement. The thematic content also remains consistent, characterized by Martinho Costa's signature aesthetics, which is marked by youthful and energetic enthusiasm. The suburban settings depicted in these murals are defined by the mingle of denser urban buildings and dispersed natural elements. The connection to the city is always via an interface, a station, or a night train. On this route (way home), any surface can be a painting. In this case, they are canvases, but they could be walls, bricks, or stones, because paintings are like polaroids that freeze time in that particular moment. We only know they are paintings by the smell of freshly painted oil. CONTRAFORTE is not precisely an exhibition of paintings, although it is, nonetheless. Ultimately, the artist is trying to recapture the same dynamism, interaction, and scale of the participatory observer from other visual arts, such as sculpture, happenings, or even architecture. The artist directs the gaze toward a path around the work, where the back is as relevant as the front, and harmony, as in the disciplinary fields of physics or trigonometry, finds its answer in the triangular shape. CONTRAFORTE is a manifesto, where there is an archive and a proposal for a "counter-archive." In other words, it emphasizes a reading of painting (and its themes) turned inside out, touching on the ground, and in self-balance with the artist's references.
